ENTREVISTA – PRISCILA DOMINGUES ENTREVISTA MARIO NITSCHE

11077925_1103263356365820_467298617438060404_n

Como percebeu que o seu destino era escrever, Mario?

Priscila. Nossa! O meu destino… Destino, uma palavra solene. Deixe me ver. Lembro-me que quando era garoto escrevi uns contos e (você não vai acreditar!) uma peça de teatro. O fiz por puro prazer e vontade de escrever. Guardei os numa caixa de camisa e um dia numa dessas avassaladoras limpezas que o Homo sapiens faz, lá na minha casa, foi tudo para o ar. Literalmente quando vi minha peça de teatro tinha terminado… de existir.

Não diga. Que pena. E quais os passatempos que te levaram a querer contar histórias?

A vontade de contar histórias se não nasceu comigo, baixou em mim logo depois e foi estimulada pelos meus avôs! Eles vieram do sul de São Paulo com uma passagem pelo norte do Paraná em meio de uma verdadeira Odisseia com lutas impressionantes, duras. E principalmente, minha avó contava tudo com cores, fogo e sangue! Priscila você tinha que ouvir minha avó contando um bom “causo” de assombração! Uma mestra.

Bem e de onde vêm os personagens? São baseados em pessoas reais ou fatos?

Personagens? Ótima pergunta Priscila. Os meus personagens vêm de pelo menos três fontes.  Uma. Das circunstâncias que me envolvem e para explicá-las uso as crônicas e reescrevo mitologia – que não conheço bem, mas gosto muito de ler. Um exemplo é a divina Ella, minha sereia com a qual comecei uma amizade em São Francisco do Sul quando eu estava lá terminando o Amor Maior. Ella – como uma boa sereia – só fala comigo, tá. Outra fonte são pessoas que conheço e acompanho suas vidas e o como elas decidem frente ao grande desafio da vida. Priscila, as pessoas agem frente ao desafio e criam fatos e eles têm implicações!  E, os mais interessantes personagem que tenho aparecem nas histórias de vida que ouço com a beleza da interpretação daqueles que as contam! Uso a minha intuição também. Você nem imagina como a intuição é importante!

Qual o primeiro livro que te inspirou/incentivou a escrever?

O primeiro livro? Do grande, o fascinante Monteiro Lobato! Depois revistas e após disso passei uma fase que li tanto que fiquei doente. Sarei e decidi ler menos e me aventurar mais!  Eu já tinha uns 18 anos neste ponto! Mais tarde logo depois que me formei em odonto fiz quase um ano de Filosofia Pura para “me manter pensando” e devorei os pensamentos de alguns filósofos como Bertrand Russel e outros. Também li alguns livros sobre a História da Filosofia. Parei a filosofia para começar a clínica em odonto.

Incrível. Mario, um personagem favorito. Por quê?

São dois personagens favoritos. Um deles é o universal Riobaldo, atirador itinerante do sertão que de jagunço virou fazendeiro e viveu no seu mundo, o Sertão e seus caminhos com espírito de aprender e lutar duro. A maravilha inigualável de João Guimarães Rosa: O GRANDE SERTÃO: VEREDAS.  A Odisséia brasileira tão importante quanto à dos clássicos gregos. Outro é Sinuhe O EGíPCIO, de Mika Waltari. Recém nascido Sinuhe foi colocado num barco de verga no Nilo e criado por um casal egípcio. Depois se tornou médico como o pai e participou de uma época chave na história do Egito. Toda a vida dele está magistralmente colocada em momentos. Como a de Riobaldo.

O que te inspira na hora de escrever? Um lugar, um filme, uma música…

Priscila… Você não vai acreditar, mas o que me ajuda muito a escrever é o silêncio, o estar só e escrevendo… só. Por isso na fase final de um livro eu saio me enfio em algum lugar – São Francisco do Sul um exemplo – e escrevo horas, me esqueço de comer e caminho bastante! Caminhar e escrever tem muito em comum.

O que mais gosta nas suas próprias histórias?

Gosto muito quando consigo ser natural e descrever uma cena, um pensamento de um modo mais simples e criativo ou quando consigo passar um princípio de vida.

O que mudou na sua vida após começar a escrever?

Algo mudou sim. Nem sei direito. Mas me sinto mais organizado, mais dono do meu tempo e com uma sensibilidade mais acurada na arte de observar, ver e procurar me colocar na pele da pessoa ou coisa observada.  Um dia numa das minhas caminhadas urbanas vi um carrinheiro. Um senhor simpático, alto, magro. Alguma semelhança com o meu avô. Passei por ele e observei que no seu carrinho havia pouca coisa e uma mesa com uma perna quebrada. Espontaneamente dei um dinheiro para ele tomar um café e começamos um papo que durou quase duas horas. Ele me contou o seu dia andando por Curitiba catando coisas que poderiam ser vendáveis e falou sobre aspectos da cidade que eu não tinha observado. Desta conversa surgiu o conto O DESCANSO DO HOMEM que foi também o nome do meu primeiro livro.

Pretende continuar escrevendo, Mario?

Como você falou logo no começo é o destino e com ele eu não discuto. E sempre continuamos, todos nós.

Como é a sua relação com os leitores?

Tenho poucos e bons leitores.  Mantenho um bom diálogo com alguns por e-mail ou mesmo pessoalmente. Discutimos. Gosto de sugestões e críticas construtivas. Quero sempre saber se ajudei, comuniquei… e, principalmente, o que foi que ficou. Uma relação agradável que nem precisa ser discutida. Sabe que o discutir a relação é uma coisa muito chata. Priscila, muito obrigado pelas perguntas. Nada como um bom papo. Vou te contar o meu foco sobre o escrever. Sabe que o exercício de criar histórias expondo conceitos ajuda a pensar. Neste processo de pensamento o mais importante até do que as respostas são as PERGUNTAS NOVAS que vislumbramos! Um bom aventureiro no mundo de hoje necessita de perguntas novas como de ar! Deixo com você o coração de todas as VEREDAS DO GRANDE SERTÃO, desenhado pela vida do Riobaldo o jagunço atirador na suas andanças e luta contra a morte:

“Serras que se vão saindo para destapar outras serras. Tem de todas as coisas. Vivendo se aprende; mas o que se aprende, mais, é só fazer outras maiores perguntas.”
Guimarães Rosa

Um abração.

 

 

Posted in Bate Papo com o Leitor.