BATE PAPO COM O LEITOR – O MITO DE SÍSIFO NOSSO DE CADA DIA – AMIZADE E A AVENTURA DO IR OU ASSOCIAÇÃO PATOLÓGICA DO TIPO ‘DON CORLEONE E LUCA BRASI’ – LUÍZA DYLAN

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BATE PAPO COM O LEITOR

Luíza Dylan

Mario querido.

Amei o ‘O Mito de Sísifo Nosso de Cada Dia’ no seu último livro de contos.  Que lokura meu Deus! Não foi só a sagacidade e inteligência do Sísifo e sim o como, de que jeito ele conseguiu puxar o deus da morte ao lado dele e, na sua recriação, traze-lo junto para Miami tomar uisquinho e olhar as meninas. E ele parou de trabalhar. Mário que loucura as pessoas não morrerem mais! Que confusão! Nunca pensei nisso. Um horror. Que bom que num determinado dia a gente morre e sai da coisa doida desse mundo doente.  Nem sei pra onde, mas que deve ser mais leve do que aqui, ah isso é!

E o Sísifo se tornou um businessman! Venda de celulares. Bilhões de cels. Loucura. De Corinto há milhares de anos para Miami ganhando dinheiro.  E ainda queria seduzir o Marte que veio buscá-lo, para fazer parceria. Não acredito.

Há um mundo no seu conto, mas o que ficou pendurado nos meus pensamentos foi o tipo de relacionamento que determinadas pessoas tecem em torno de si para avançar na direção que desejam. Penso muito nisso. Veja o card que te enviei: Don Corleone e Luca Brasi. Eram unha e carne. Era isso que o Sísifo ansiava ter com o deus da morte e com o Marte e Graças a Deus não deu. Que povo é esse que o Marte espera que vai fazer da fraqueza a força e não estar apinhado em agrupamentos oficiais? Pirei!
Beijo em penkas.

Mario

Luiza

Gostei dos seus pensamentos sobre o conto ‘O Mito de Sísifo Nosso de Cada Dia’ no CONTOS MITOS E PARALELEPÍPEDOS, bem como do trecho sobre o relacionamento entre Don Corleone e o seu braço direito, Luca Brasi. Instigante. Que bom Luíza que você viu na minha versão do mito de Sísifo que ele, Sísifo buscava no deus Marte o seu Luca Brasi e que Marte recusou por ter alguns princípios que faltavam no homem Sísifo e uma questão de visão!

No pensamento enviado está sugestão que o poder de Corleone repousava sobre a incontestável presença e fidelidade de Brasi.

Vamos comentar um pouco este fator que faz com que duas pessoas se completem numa relação vívida, uma forma de submissão mútua que ultrapassa os limites do saudável. Depois, alguns comentários às suas observações sobre o conto.

Esse relacionamento que soa estranho é mais comum do que imaginamos.

Há no ser humano uma necessidade de estar ligado, submetido a alguma coisa. Parte da nossa natureza. A relação com a família ou o país são exemplos. Também ela aparece no andar com uma pessoa que tenha valores que admiramos. Mas, (e sempre há um ‘más’) este sentimento pode chegar a níveis de patologia e revelar a face do mal quando tingido com a névoa dourada do PODER, como no pensamento que você enviou.

Veja um exemplo na literatura que tem como base um fato histórico.

No ano de 1364 a.C. começou a reinar no Egito Aknaton. Sensível, artista, visionário, profundamente humano e, principalmente ingênuo. Um dia ele concluiu que Deus era o sol. Aton na língua egípcia. Instituiu Aton o deus único do Egito e desbancou todos os outros deuses e desestabilizou a mais perigosa classe que existe desde que o mundo é mundo: os sacerdotes. Instituiu o monoteísmo e cortou o poder político dos sacerdotes. Incrível.

E ele chamou-se AKNATON ou o filho de Aton. O único representante de Aton na face da terra e no Egito. Só que o espírito, o poder atrás do que ele fez estava com a Rainha mãe Taia e ao lado dela um equivalente a Luca Brasi egípcio só que mais inteligente do que o de Don Corleone: o sumo sacerdote Eie.

Ela, a rainha mãe mandava! Eie estava junto dela incondicionalmente e Aknaton imaginava que tudo vinha dele e ia dele para o povo e sentia-se bom, divino e comandando o País. De um modo geral quem pensa que manda está sendo liderado a isso por alguém que realmente MANDA. Depois falamos melhor sobre isso. Anote que MANDAR E LIDERAR não são a mesma coisa.

Mas o mexer com coorte de sacerdotes não constava nos planos de Taia! A loucura religiosa de Aknaton o fez pensar que mandava bem mais e nessa febre foi adiante dos planos e sonhos da Rainha mãe. É um risco a todo aquele que manda. Algo sempre escapa ao seu controle e engendra o que o mandante não imaginava ou queria. O Egito entrou numa crise enorme criada pelo poder anterior desbancado. Um dia estendendo uma rede para pegar pássaros no seu magnífico jardim, Taia foi picada por uma áspide. Acidente? Sem antídoto… Ela morreu. Uns tempos depois a Aknaton, adoentado, foi ministrado um medicamento que continha um veneno sofisticadíssimo que não deixava sinais e que eliminava o paciente com a sintomatologia magnificada da doença contraída por ele. Sofisticado.

A morte ganhou mais um tento. E tudo voltou ao ‘normal’ no Egito.

Definindo o relacionamento de Taia e Eie o grande escritor Mika Waltari disse através da boca do seu personagem Sinuhe o médico amigo da família real.

“Não creio que Eie a tenha (referindo-se a Taia) assassinado. Não ousaria a fazer isso. Crimes conjuntos e segredos em comum formam laços mais poderosos do que os do amor”.
O EGIPCIO
MIKA WALTARI

Luíza. O oposto do amor não é o ódio. São os laços poderosos que surgem em meio àqueles que lutam pelo PODER, os apaixonados pelo mandar. O ódio nasce como decorrência do processo de vida que vem com a linha de ação engendrada pelo amor… ao PODER.

Acontece em todos os níveis da sociedade humana em grupos seculares ou religiosos, grandes ou não e é mais comentado pelo Jornal Nacional na política.

Mas, veja, é totalmente necessário a existência do binômio tipo Corleone/Brasi no centro de um clube ou comunidade para colocar no mapa a visão do grupo ou clube ou de uma pessoa.

Há anos ouvi de um profissional da Igreja Luterana que vários movimentos surgem de idéias geradas dentro ou trazidas para a estrutura da igreja. O maior problema na seqüência e futuro destes movimentos é que grande parte das pessoas envolvidas são as que sabiam um ou dois versículos e por isso pensavam-se profetas. E se eles memorizavam ou aprendiam uns dez textos sentiam-se líderes! E quando encontravam alguém para formar uma sociedade começavam – e ele fez uma pausa e sorriu – ‘a liderar’.

O dinamismo da, vamos chamá-la assim, ‘sociedade de fortes e dons entre duas ou poucas pessoas’ entretanto é de importância vital para qualquer atividade humana. Um dos grandes pensadores do movimento cristão, Paulo de Tarso escreveu ao seu amigo Timóteo:

“Timóteo, busque homens fiéis e idôneos aptos a ensinar outros.”

Outros homens fiéis e idôneos, claro. Observe que nem todos estavam ‘aptos’ a ensinar a essência da mensagem e vejo nesse pensamento do apóstolo que fatores ligados mais ao psicologismo, dificuldades pessoais e maturidade entram aqui.

Na realidade Luiza é muito, muito difícil saber o quando e quais as circunstâncias que funcionam como o gatilho e aonde começa a transição da genuína necessidade de estar submetido a uma coisa boa e o processo de criar uma sociedade pessoal à direção da patologia do ‘aquadrilhar-se intimamente’ tipo Don Corleone /Brasi.

A beleza é que o bom senso, bons conselheiros e ótimos pensamentos ajudam. O Paulo na sua inteligente carta aos seus amigos em Filipos aconselha:

“Finalmente gente, tudo o for verdadeiro, tudo que for nobre, tudo que for correto, tudo que for puro, tudo que for amável, tudo que for de boa fama; e se houver algo de excelente ou digno de elogio, pensem nessas coisas.”

Veja que numa frase pequena ele usa a palavra TUDO seis vezes e depois resume mais ainda quando disse “e se houver algo” o que significa: “mais ainda do tudo”.

Um abraço e obrigado pela carta e pensamentos!

Mario

 

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