CONTO – O POETA O FILÓSOFO E O PROFETA – SAMUEL ZACHI

thumb_Guarda DO EMBAÚ

Foto: Guarda do Embaú. A praia do Samuel

Já fazia um bom tempo que eu não tinha notícias dele, o meu amigo Samuel.
Normal. Não é um cara previsível. Sua veia filosófica não o prende as nossas expectativas. Deveria – pensei – estar em alguma praia caminhando. Ou com um grupinho de amigos num grande papo de bar. Acertei. Estava com a família no seu fetiche maior: a Praia da Guarda do Embaú!
E lá revelou no artigo abaixo um dos seus bons gostos. Trazer pessoas de peso para pensar!
E que peso…
Um abraço,
Mario

O Poeta, o Filósofo e o Profeta.
É extremamente fácil reunir esses figuraços, eles viajam, eles ponteiam, eles professam suas crenças com muita coragem leveza e convicção. Compromisso? Não. Liberdade? Sim.
Liberdade é algo que flui de seu livre pensar, a trilogia: Livre, Leve e Solto é de sua natureza. Num piscar d’olhos estão juntos.                                                                                                                

Eis que saiu o poeta a caminhar, estava só? Não, compartilhava sua aventura com dois excêntricos, porém lúcidos amigos, que tinha o privilégio de tê-los em sua mente, ou melhor, no seu HD. Excêntricos, no mundo dos sentidos, lúcidos no mundo das ideias. Uma terapia ocupacional maravilhosa, e, porque não dizer excitante. Competia sempre ao poeta, levá-los a um lugar no mundo dos sentidos, onde até os insetos quedavam-se a ouvi-los. Que cenário seria esse? Simples, bastou ao poeta umas poucas passadas, e já se avistava o singelo espaço, vamos dizer assim…  espaço socrático.

O cenário reunia uma pequena cabana-bar na encosta de uma morreba, e o mar. Ah! O mar, inebriante mar. Um desses locais rústicos como o bar do Evori, na Guarda do Embaú. Um quadro perfeito. Era outono, um pequeno casebre, algumas mesas, quase duas, pra se honesto, as gaivotas no céu de brigadeiro a plainar, uma garça equilibrando-se em uma só perna como se praticasse alguma arte marcial, se preparando para um golpe de Karatê quem sabe (acho que nesse ato litúrgico não me daria bem com minha labirintite ahahaha).

O dono do casebre-bar, ainda bocejando, cumprimenta o Poeta que se aquieta na mesa já personalizada, e, como que fazendo parte desse livre pensar, o Zé lhe traz três copos geladésimos e uma loira esbranquiçada em seu vestir.  Por que todo dono de bar é Zé? Não sei, deixa pra lá.
Poucos eram seus freqüentadores, porém com uma peculiaridade: os anseios de Sócrates era uma questão de honra. 

Na sua bagagem, ou seja, em seu HD, o Poe, assim era chamado por seus amigos do mundo das ideias, trouxe desta vez, dois grandes e íntimos amigos. Vamos apresentá-los por idade/época: O primeiro é um famoso escritor do século VIII a.C. cujo nome é Isaías, conhecido também como o Profeta (aqueles indivíduos que dizem que seus escritos não são seus, e sim uma parceria com o Criador. Será? É uma questão de pesquisa e conclusões pessoais). O Segundo, não menos famoso, viveu no século V a.C.,  o filósofo Platão, o do mito das cavernas.

Assim ficava a platéia patética, quer dizer o Zé, a assistir a um reality show no mundo das ideias de Platão, esperando que algumas poucas palavras se tornassem tangíveis em seu humilde casebre, e, assim, poderia ter o privilégio de participar do filosofar dos nobres fregueses. Como todo dono de bar, aguçado por sua curiosidade, Zé quis saber quem eram seus amigos do dia. O Poeta com simplicidade disse que se tratava do velho e bom Isaias e do grande Platão. Depois te falo sobre eles, falou o Poeta.

Nesse intervalo de livre pensar, Isaías com extrema liberdade, entre um gole e outro da loirinha, abriu seu livro, e comentou um pequeno trecho do capítulo cinco: 

“Assim disse-me Deus: ai dos que são sábios aos seus próprios olhos e prudentes em seu próprio conceito”. Fechou suavemente seu livro e abriu-se o leque do livre pensar. O debate filosofal seria quente, prometia.”
Ah! Poucas palavras e uma vida inteira para remoê-las!  O Poeta pede mais uma loirinha e Platão, o mais entusiasmado com essa premissa do Profeta, disse: “hoje quem paga sou eu… vamos abusar”. A não ilusão e a razão deixavam a honestidade intelectual fluir nos mundos platônicos.      

                                                                    
O filósofo parecia não se conter ao falar de suas ideias, daquilo que é, e daquilo que não é. Seu espaço dual estava em efervescência ali naquele pequenino frasco do bom perfume apresentado por Isaías. Começou a discorrer sobre esta mini-maiúscula afirmação do Profeta falando de seus mundos. Ah! Doces mundos, que distância abissal os separa! Mas eles são reais, pelo menos para esses três amigos. Suas teorias estavam ali, disse o Filósofo, quantas vezes tentou ele, entrar no mundo das ideias sem saber como. Para o Profeta, no entanto, era natural. O Poe, só sorria. Com uma de suas mãos harpejava um cântico celestial, com a outra suavemente aproximava aos seus lábios o precioso graal. Nesse pequeno gesto, ponteava nos mundos de Platão, comungando suas convicções com o Profeta, onde as bases platônicas tomavam forças.

Ser sábio aos seus próprios olhos e prudente em seu próprio conceito, é o que o homo sapiens mais sabe fazer externou o Poe ao ponto de deixar agora o Zé a participar dessa maravilhosa terapia ocupacional, e com tais migalhas multiplicar minhocas em sua cuca.

Isaías apenas balançava a cabeça com o discorrer filosófico de Platão, sobre aquele pequeno detalhe de seu livro.
Sabedoria aos próprios olhos e prudência em seu próprio conceito, carecem de padrão, pois sua origem é no próprio mundo dos sentidos, e se é um mundo fechado sem alusão ao mundo das idéias, elas são pluralizadas. Que tristeza! Onde não há padrão, não há ordem.   

                                                                                                                                                          E agora Poe, como sair dessa enrascada? Disse Platão. O sorriso de Poe contagiou o Zé, que não se conteve, como que entrando em cena (parece que já vi o reverso dessa ação no cinema), conseguiu como que por encanto, ou melhor, por conecção wi-fi no HD do Poeta, sentiu a presença desses homens fabulosos que a história reverencia. O Zé ficou estupefato, não sabia o que dizer, foi buscar outra loira. Estar junto nessa aventura é algo que faz o maior sentido da vida, disse ele. Riram todos, parando somente quando outros poucos, porém fiéis escudeiros socráticos se aprochegaram ao casebre filosofal.

E Zé, ainda como que em êxtase disse: – Parece que a grande sacada é estar. E não, ir. 

Ficou animado o Zé.

Um grande abraço. 

Samuel”

szacchi@gmail.com

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