Biografia

ENTREVISTA COM MARIO NITSCHE
POR ODARA BRAUN

Parte 1

 

INÍCIOS
Sou Odara e moro em Salvador, Bahia. Solteira, empresária e acima de tudo uma baiana convicta.  O Mario mora em Curitiba, casado, odontólogo, gosta de escrever, ilhas e contar histórias. Somos amigos e resolvi entrevistá-lo. Convidei-o e ele aceitou. Afinal, na história de vida de uma pessoa se entende melhor quem ela é, escreve e pensa. Recentemente ele e um amigo estiveram aqui em Salvador para uma noite de autógrafos do AMOR MAIOR que tive a oportunidade de organizar. Foi maravilhosa! Eles deixaram amigos baianos. Vamos conhecer o Mario um pouco melhor.


Odara

Mario quem é você?

Mario
Sou um Homo sapiens bem casado, com um filho e uma filha maravilhosos que trouxeram uma nora e um genro que antes de tudo ficaram grandes amigos nossos. E uma neta muito bonita que estou carinhosamente deseducando. Gosto muito de caminhar, ler, escrever, fotografar natureza e tenho fixação por ilhas! E o mar é claro.

 

 

Odara
A que você se dedica profissionalmente?

Mario
Sou dentista e fiz clínica e cirurgia oral menor. Já fui monitor de cirurgia oral em cursos de aperfeiçoamento. Odara, a odonto caminha em uma dimensão artística, estética e nela me agrada a interação com os pacientes, motivá-los, e a cima de tudo ensinar a eles o que precisa ser feito e como o procedimento vai ser realizado. E nesse momento estou aposentado dela e dando todo o meu tempo para o oficio de escrever.

 

 

Odara
Que bom. Como paciente eu tenho um pouco de medo da sua atividade clínica… Prefiro a escrita, Mario. Quando você começou a ler, escrever ou pensar em escrever?

Mario
Há muitos anos. Eu era criança. A primeira palavra que li na vida foi DESENHO. Primeiro ano do grupo. Desse ponto em diante comecei a ler revistas infantis. Pato Donald, Mickey. Mais tarde devorei outras como a Epopéia, X-9. Eu lia placas de rua, bulas de remédio e tudo o que poderia ser lido. Depois vieram os livros. Monteiro Lobato a coleção inteira. Outros e muitos outros. Um dia, garotão, passei por uma livraria e vi O ELOGIO AO LAZER de Bertrand Russel. Comprei e li. Depois li tudo dele. foi o meu primeiro contato com a filosofia.

 

 

Odara
Você entendia tudo que lia? Sabe, sendo muito novo… (rindo).

Mario
Não, que nada… Um dos livros do Bertrand Russel, MISTICISMO E LÓGICA, após lido com atenção, fez com que até hoje eu não saiba bem o que é misticismo e… não sou muito lógico.

 

Odara
Que divertido! Bem, e quais foram alguns outros fatores que o empurraram para escrever, Mario?

Mario
Minha avó. Sério… Ela foi incrível. Veio com a família do norte do Paraná.  Ela transitava pelo Palácio do Governo e falava com o governador entrando pela sala dele como amiga de anos e arrumando empregos e cursos para amigos e parentes que queriam vir para Curitiba na época. Quando comecei a ler e escrever, ela me empregou para escrever as cartas para os seus ajudados dando detalhes e contando a altura do processo em que cada um estava frente à máquina do Estado! E coisas pessoais também. Foi a época em que ganhei alguma coisa escrevendo. Ela ditava tudo Tim-Tim por Tim-Tim e não aceitava mudanças.

 

Odara
Surpreendente! Imagino você e ela sentados e ela ditando! E depois disto, o que mais deu um empurrãozinho?

Mario
A vontade que eu tinha de comunicar… e a vida, acho. A rua, amigos novos; brigas na rua. Balões, filmes. Eu era mal educado e agressivo… E um dia descobri que era tímido.

 

Odara
Não venha com essa Mario! Mal educado? Agressivo? Tímido? Pare com isso! Não acredito.

Mario
Sim… e muito. Você nem imagina. Minha timidez doía! Achei que deveria fazer alguma coisa e como queria trabalhar, arranjei, numa rádio um emprego em rádio teatro! Assim mataria dois coelhos com uma paulada só: ficaria mais “saído” e trabalhava! Odara acredite ou não… fui galã de rádio novelas! Aprendi a falar suave, meio tom bem na boca do microfone… A mulherada ficava maluca de tudo!

 

Odara
Tenho que rir… Não acredito, Mario! Mas, imagino que se saiu bem… Afinal depois do tratamento ficou mais saidinho mais à vontade, desinibido!

Mario
E muito. Tinha pilhas de cartas das meninas e fiquei um garoto desinibido demais da conta! Que exagero… O tratamento deu certo. Já tinha uns 18 anos e saí da rádio e fui trabalhar num banco.

 

Odara
Bem, se eu posso perguntar… e a educação mais aprimorada, como veio? Eu o acho um cavalheiro.

Mario
Muito obrigado. Odara… Bem, eu cria que precisava comunicar com pessoas, que ia aprender com elas… que a vida eram indivíduos e o contato com eles. Depois de fazer uma observação desairosa sobre o comportamento da mãe de alguém, fechava o tempo, o diálogo e uma inimizade começava. Um antagonismo. Não se pode evitá-los completamente… Acho que aprendi com alguns educados que encontrei, com a necessidade de conviver… e com a vida. A vida é uma grande e  séria mestra.

 

Odara
Que empolgante Mario. Que mudança radical. Em que sentido isso tudo o ajudou a escrever?

Mario
… Experiências de vida! Vivi. Um cara novo, inexperiente saindo para o mundo; vendo-se, experimentando, aprendendo, errando, quebrando as canelas aqui e ali. Mas, acertando em caminhar nisso tudo. E indo… Saindo do limitado.

 

Odara
Que bonito!

Mario
Odara, a vida nos lidera à experiências e aprendemos princípios para a vida como um todo nelas. Algumas das experiências vamos desenvolver ao passo que o tempo caminha. Outras experiências trazem o ensino… e um “não”.  O retrocesso e o sofrimento vêm quando continuamos naquele caminho apesar do claro e inequívoco “não”.

 

Odara
Sim… Continue.

Mario
Eu vivia uma aventura minuto por minuto o tempo todo. E na época estávamos em pleno encanto, mistério e força dos anos 60! Um espanto! Havia uma revolução no ar, no mundo: mistério e mudanças. Vivíamos uma febre! Meu Deus como era forte a atmosfera e a força que havia no todo. Tudo era rebeldia e possível. Nada era impossível. Os Beatles berravam “I wanna hold your hand” na cara da gente em meio o encanto da primeira namorada e experiências de vida. E ainda curtíamos o estar contra a ditadura! A MPB surgiu, a Bossa Nova…O mundo mudou nos anos 60! Só quem viveu na época sabe!

 

Odara
Verdade… Aqueles anos foram marcantes para nós e nossa geração.

Mario
Odara, escrever é contar e interpretar o que se viveu e aprendeu… E perguntar continuamente o que não se sabe… e aprender a aceitar e gostar do fato que há muitas perguntas sem respostas! Tentar respostas para as ‘sem respostas’ a todo o custo é o maior erro do ser humano.

 

Odara
Muito bom até aqui, Mario. Ótimo. Vamos deixar para mais tarde a continuação! Sabe que nunca conheci um galã de rádio novelas antes! (Rindo muito).

Mario
(Rindo) Que experiência, hein! Numa hora dessas reunimos nossos amigos mais chegados e represento alguma coisa. Afinal, galã que se preza sempre lembra de algo dos velhos tempos… Nunca se deve esquecer de tudo.

 

Odara
Isso mesmo! Dentro de uns tempos voltaremos com mais um capítulo da sua vida! A continuação da aventura como você o diz.

 

Beijos


ENTREVISTA COM O MARIO.
Odara Braun.

PARTE 2

Entrevistar o Mario dá um bom trabalho e é um trabalho bom. Telefone, e-mails e Skype. Muitos dos assuntos foram conversados naturalmente nas horas que passamos juntos em Salvador. Um volume considerável de assuntos foi plantado em muitos e-mails e correspondência anterior. Ajudou demais a presença de um grande amigo do Mario que esteve aqui com ele e tornou-se meu amigo também. As famílias deles são amigas há anos! Três pessoas falando sobre vida e o contar histórias. Defini algumas perguntas, mas prefiro que ele fale o que espontaneamente vem do espírito dele.


Odara

Esquecendo por um pouco a sua futura representação como galã de radio novela para nós, o que mais aconteceu na sua carreira-vida?

Mario
Um grupo pequeno de amigos e três outros fatores fundamentais na minha vida: o mar e as montanhas. E leituras. Eles moldaram a minha vida, caráter e modo de ver o mundo.  Entende? Isso é escrever! O mundo vai esculpindo você e você vai aprendendo sobre ele e ficando com vontade de contar.


Odara

Amigos, Mar, Montanhas e leituras. Quantos anos você tinha, Mario no meio disso tudo?

Mario
Uns 14 anos.


Odara

O Mar só aos 14 anos?  Muito tarde! Faltou o mar na sua infância. Deveria ter nascido em Salvador, Mario.

Mario
Bem, sabe como é… a gente simplesmente nasce! Só depois descobrimos que nascemos. E depois, onde. Mais tarde descobrimos onde seria legal ter nascido.

 

Odara
Concordo… (rindo)

Mario
E foi só com essa idade que deu pra eu ir! Fugi de casa, literalmente e fui para a praia. Matinhos, próxima a Curitiba!  Ah e fui batizado dentro do ônibus!

 

Odara
O que? Conte isso…

Mario
Isso mesmo. Houve um solavanco e um saco de farinha que uma mulher tinha guardado em cima rompeu-se espalhou farinha pra tudo quanto é lado e depois caiu. Eu e um grupinho ficamos brancos!

 

Odara
(Rindo muito). Que bom… se isso pega cria-se mais uma religião!

Mario
Pare com isso… Já têm muitas! Odara, a ineficiência e artificialismo com cor religiosa provocam o cataclismo!

 

Odara
Voltemos ao seu escrever Mario. E o que mais sobre o mar?

Mario
Na ida ao mar – a saída de casa — começou uma outra parte importante no tudo que sei, experimentei e alguns passos para o futuro e o que continuei a pensar e fazer na vida. Mas, sabe, foi legal. Desci do ônibus em Matinhos. Ainda meio branco e queria ver o mar! Meio sem saber o que fazer, perguntei a um cara que ficou rindo de mim: “Amigo onde fica o mar?” Ele me apontou e fui para lá cheio de farinha e completamente fascinado. O mar estava a uma meia quadra do ponto de ônibus! Só… E Vi! Fiquei horas e horas sentado numa pedra olhando-o. Uma amizade eterna. O mar está sempre muito próximo da gente…

 

Odara
Que maravilha. Continue!

Mario
Vou resumir. Um grupinho de amigos e escalada de montanhas a sério na Serra do Mar. Muitas aventuras nessa fase. Escalamos no Rio de Janeiro também. Viagens. Lembro-me de muitas e muitas conversas sobre… tudo. Diálogos, discussões… Depois veio o governo militar e alguns dos meus amigos sumiram ou foram presos. Fui até um pedaço com eles, mas vi que eles estavam ruminando uma quantidade de ódio assustadora e achei que cultivar ódios não era a vida como eu a buscava. Parei. Trabalhei num banco. Fiz odonto e comecei a clínica em 1970! Nesse ano também passei num vestibular de Filosofia Pura… Por pura vontade de manter-me intelectualmente mais por dentro. Tive que parar a filô depois de um tempo.  A necessidade de pagar minhas contas foi grande e a clínica exigiu mais de mim.

 

Odara
Quantas experiências…

Mario
Voltemos um pouco. Mais ou menos em 1965 aconteceu algo que foi decisivo e importante.

 

Odara
Diga…

Mario
Um dia fui à uma palestra sobre psicologia infantil. Interessante. Não concordei com alguns dos pontos de vista do palestrante e tivemos uma boa discussão. O tradutor era um cara muito legal e inteligente. Fizemos amizade. Ele queria criar um grupo pequeno para discutir idéias com base numa leitura dinâmica e não religiosa nos documentos do novo testamento. Topei. Foi ótimo. Ao fim ficamos, eu e ele, durante uns quatro anos, em excelentes conversas. Pela paciência dele vi aspectos da mensagem do NT que nunca tinha ouvido antes. Ele tinha uma família maravilhosa. Também ele participava num grupo maior de pessoas. Até hoje somos amigos.

 

Odara
Mario nunca imaginaria! E como continuou o processo e que papel tudo isso teve no seu hábito de escrever?

Mario
Primeiro, entrei nos documentos do velho e novo testamento para ler, pensar e refletir neles! Não os ouvi em pregações ou interpretações dogmáticas – e até hoje detesto pregações. Descobri a sabedoria e o encanto dessas preciosidades. E tão importante quanto isso foi a amizade que eu e ele fizemos! Andamos juntos durante um bom tempo. O que aprendi com ele foi pessoal e o que passei a ele, idem. Uma aventura e tanto. Nesse, digamos, contexto, num processo longo, conheci muito melhor um personagem impressionante: o famoso Jesus o “Christós”. Um ilustre desconhecido hoje, mesmo com todas as religiões oficiais ou não. E tudo, – refiro-me a vida como um todo –  um dia, precisa ser contado!

 


Odara

Que bonito… Tão raro uma coisa assim hoje em dia! Como é o nome dele, Mario?

Mario
James Petersen. Jim para os amigos.

 

Odara
Mario e esse conhecimento novo de um Cristo pessoal e de um modo pessoal… o que significou na sua vida?

Mario
Resumindo… Um ponto vital onde tudo que vivi antes convergiu… Uma dinâmica na aventura da vida! Um somatório… Os retalhos espalhados aqui e ali ganharam a colcha. E foi um começo numa dimensão nova na aventura do estar vivo no grande dia de hoje.

 

Odara
Muito bom… Que experiência! Mais tarde quero entender melhor isso. Vamos ficar no que enriqueceu a sua vida e visão do mundo. Tenho uma pergunta mais de cunho pessoal… Posso?

Mario
Pode e deve!

 

Odara
Lembrando do galã de radio novelas… Você crê ser um tipo, digamos… Sedutor?

Mario
Se…

 

Odara
…dutor! Isso mesmo! Responde?

Mario
Sim, só vamos ver o como! (Rindo). Lembra-se que comentei que fui um moço muito brabo?

 

Odara
Sim.

Mario
Um dia, depois de uma enorme briga na Serra do Mar, à noite, pensando, vi que não iria muito longe com aquela atitude frente a pessoas e à vida.

 

Odara
Sei.

Mario
Descobri e decidi que tinha que gostar mais de pessoas; e, intuitivamente decidi OUVI-LAS melhor, ENTENDE-LAS melhor. Foi uma luta… foi difícil… Conscientemente deixei de brigar e passei a pensar que o outro SEMPRE tinha algumas razões que eu desconhecia. Passei a fazer decisões nessa base… errei em muitas, é claro.

 

Odara
Fascinada, Mario…

Mario
Um novo modo de viver abriu-se e até se constituiu um certo poder para mim… Pessoas que são ouvidas mudam! Gostam da gente… nos procuram mais. Isso é geral; mas, as mulheres ouvidas, levadas a sério ficam mais animadas. É a única coisa que vem a minha cabeça com a sua pergunta!

 

Odara
… É possível! (rindo)

Mario
Falou! Odara imagine seis bilhões e seiscentos milhões de pessoas vivas; e, digamos, quarenta por cento do número são homens. Homens que apreciam o maravilhoso sexo frágil, claro… Vamos ter na face deste lindo planeta uns três bilhões de sedutores em maior ou menor intensidade!

 

Odara
Obrigada… Nós, as mulheres, agradecemos! Quantos sedutores… Que bom! Atenção meninas… têm, pelo menos alguns milhões de partidos por aí!

Mario
E descobri que sempre que aprendemos uma arte, ela se torna um grande desafio para ser vivida… com bom senso! No crescer como pessoa há perigos e vida! O ficar confinado por algumas leiszinhas é mais confortável, mas ao tempo nos deixa estéreis!

 

Odara
Gostei do seu pensamento!

Mario
Curiosidade… Sabe como terminou a briga com o cara lá na Serra? Uns meses depois eu o encontrei bem no centro de Curitiba. Vínhamos um ao encontro do outro na mesma calçada. Dei um grande sorriso, fui até ele, abracei-o e disse: “Cara, que briga idiota aquela nossa! Por favor, me desculpe…” (Rindo) ele ficou surpreso e não sabia o que dizer ou fazer… riu também e pediu desculpas. Disse que a culpa era dele. Falei que era minha e pronto! Para não brigarmos de novo assumimos cada um uns 50% da culpa.

 

Odara
Não acredito…

Mario
Um dia nos encontramos lá na Serra do Mar, no Marumbi. Bem próximo à estação tem um rio maravilhoso que desce das montanhas e antes de uma bonita ponte de ferro, o rio forma um poço pequeno que usávamos para tomar banho após descer das montanhas. O meu ex-inimigo e eu trabalhamos um dia inteiro carregando com as mãos pedras de diversos tamanhos (algumas bem grandes) e aumentamos o dique natural deixando a piscina melhor e maior! Usamos nossa força em uma coisa mais afinada com a natureza e a nossa estada por lá!

 

Odara
Maravilhoso… Muito bom. Temos que pensar melhor nisso, Mario. Temos que pensar melhor nisso! Uma luta no sentido de aceitar diferenças e de construir e se construir!

Mario
Foi divertido!

 

Odara
Já temos um passo a mais no conhecimento de alguns fatores que te construíram, Mario. Na próxima vez entre outras coisas, que tal o momento quando você começou a contar histórias de um modo sistemático. Obrigada pela oportunidade e a parte que me toca no elogio às mulheres!

Mario
Eu agradeço muito. Todo o processo de falar, pensar nas suas perguntas e respondê-las me ajuda! Cada ser humano precisaria ser entrevistado. O passado revisto, reavaliado, remoldado, reinterpretado… tem a mesma sedução da ficção, do conto. Estamos escrevendo um conto! Para entender alguém melhor precisamos entrevistá-lo! Um dia vai ser a sua vez.

 

Odara
Rindo… É mesmo. Um conto de aventuras. O Amor Maior está crescendo em Salvador. E um dia será a minha entrevista. Até a próxima!

Beijos

Curitiba – Salvador, 21.07.2010